Se hoje ela é uma bebida sofisticada, digna das mais altas honrarias, a história da cachaça mostra que nem sempre foi assim
O destilado brasileiro já foi bebida de pobre e escravo. A história da cachaça é marcada por proibições e mesmo rejeitada pela elite ergueu a economia colonial. Mais tarde a cachaça esteve no copo de revolucionários e se tornou símbolo de resistência. Acompanhou líderes de Estado e quase 500 anos depois de surgir, em 2001, recebeu o status de bebida nacional. Ganhou cores de brasilidade e desde então tem sido redescoberta pelo brasileiro e pelo mundo.
No incansável trabalho de valorização da cachaça como produto de qualidade e excelência tipicamente brasileiro, olhar para o futuro é tão importante quanto compreender o passado.
Por isso selecionamos algumas curiosidades sobre a história da cachaça para você conhecer ou relembrar. Também adicionamos alguns links, caso queira se aprofundar no assunto.
Boa viagem!
1. Primeira cachaça
O primeiro documento que registra uma produção sistemática de cachaça é do século XVII. A despesa com a compra de aguardente para os negros aparece em anotações do Engenho do Conde, um dos mais produtivos centros açucareiros da Bahia, conhecido como a ‘Rainha do Recôncavo’. Estima-se que naquela época a cachaça já era uma senhora centenária. O destilado brasileiro teria surgido entre 1516 e 1532, em algum dos primeiros engenhos instalados no litoral entre São Paulo e Pernambuco. Mais
2. Mais antiga na América
A cachaça é considerada o primeiro destilado da América Latina, surgido antes do aparecimento da tequila mexicana, do pisco peruano e do rum caribenho. Mas uma descoberta recente indica que o processo de destilação de álcool já era conhecido no México muito antes da colonização européia. Fornos descobertos numa área arqueológica, no estado de Tlaxcala, que datam de 600 a 400 a.C., continham resquícios de Agaves cozidos, uma pinha que é a matéria prima do Mezcal.
3. A moeda cachaça
A cachaça surgiu no Brasil-Colônia como produção secundária das lavouras de cana, mas em pouco tempo já era um ativo tão fundamental para a economia como o próprio açúcar. Numa época em que dinheiro em papel ainda não circulava, a maioria das compras era feita na base da troca. A cachaça vendida na África (junto com o tabaco) pagava a compra de escravos que no Brasil eram novamente trocados, também, por metais preciosos. Barateando os custos de navegação no século XVII.
4. Demanda criada
Muito desse comércio foi criado pelos próprios mercadores, os marketeiros da época deram valor à aguardente. Primeiro, com o vinho português, chamado de Bagaceira, depois com a cachaça que tinha produção mais farta e barata. Como? O consumo já existia. A história conta que os índios já produziam o cauim, uma bebida fermentada a partir da mandioca mastigada. E os africanos consumiam um vinho feito do caldo de palma. Mas, nada comparado ao grau alcoólico do destilado de cana.
5. Cachaça em xeque
Só que a concorrência com a Bagaceira criou um problema para a coroa. De um lado a cachaça se mostrava uma fonte importante de renda na oscilação do mercado de açúcar e moeda forte para garantir a manutenção da mão de obra escrava. Do outro, enquanto a popularidade da aguardente brasileira crescia, o comércio da bebida portuguesa minguava, junto com os lucros de parte da sociedade colonial. Isso gerou reclamações que motivaram atitudes instáveis do reino.
6. A história da cachaça marcada por proibições
Como era de se esperar, Portugal cedeu às pressões ora proibindo e ora liberando a cachaça. Uma data marcante nesse processo foi 13 de setembro de 1649. Mas diferente do que alguns possam pensar esse não foi o marco da liberdade do destilado nacional. Na verdade, nessa data uma carta assinada pelo rei dom João 4º, proibiu a fabricação da cachaça no Brasil. Um ato ineficaz, como outros, que só impulsionou a clandestinidade e o contrabando da bebida, sendo revogado anos depois.
7. A Revolta da Cachaça
No Rio de Janeiro, a proibição atingiu a principal estrutura econômica da região. Com o acirramento da disputa entre oligarquias os ânimos ficam à flor da pele. Depois de longas discussões na Câmara do Rio de Janeiro, em 1660 os legisladores conseguem liberar a cachaça com a contrapartida de aumentar os impostos. A ameaça de um ataque dos holandeses que tinham sido expulsos de Pernambuco rondava a colônia. O governador volta atrás e no dia seguinte estoura o levante que ficou conhecido como a Revolta da Cachaça.
8. Dia da cachaça
Em 2009, o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC) instituiu o dia 13 de setembro como o Dia da Cachaça. No ano seguinte a data foi aprovada pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e passou a constar no calendário oficial. Alguns estados, como Minas Gerais, possuem datas próprias para destacar a regionalização do produto. Hoje só é proibido comercializaar cachaça em dias de votação eleitoral.
9. Origem do nome
Não se sabe ao certo quando, nem como a palavra cachaça passou a designar a aguardente de cana de açúcar brasileira. Acredita-se que o nome seja anterior ao nascimento da bebida e herança européia. Uma das hipóteses é de que cachaça viria da palavra cacho que no princípio designaria uma aguardente de uva, bastante popular em Portugal, semelhante à bagaceira. Outra linha, relaciona cachaça à palavra ‘cagaça’, nome que era dado à espuma que surgia durante a fervura da garapa para fazer o açúcar.
10. Origem do nome 2
A palavra pinga aparece em dicionários do século XVIII como o líquido que goteja numa destilaria. Outro sentido, menos conhecido, surge da literatura e apresenta a pinga como o sinônimo de uma dose de bebida. Já aguardente é a tradução do latim de ‘acqua ardens’ (a água que arde ou água da vida). A palavra é usada até hoje pela legislação brasileira para designar qualquer bebida produzida a partir da destilação do mosto fermentado da cana. Para ser considerada cachaça, a aguardente não pode ultrapassar 48% de álcool. Para saber a diferença de aguardente e cachaça.
Referências:
Maurício Ayer, professor de Literatura Francesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP); Instituto Brasileiro da Cachaça e Journal of Archaeological Science.